ARQUERIA – UMA SAGA
Quem dentre nós que gostamos da
vida ao ar livre, que frequentamos a roça e andamos de pé no chão, que caçamos
de estilingues, bodoques, arapucas e laços, não brincou ‘ de indio’ e não fez
pequenos arcos na infância? Eu fiz isso tudo – e continuo fazendo.
Sou atirador, caçador, fraco
pescador (pois não tenho paciência), mas adoro andar pelos campos e matas,
beiras de rios e lagoas desde muito cedo. Tudo o que se relaciona à vida ao ar
livre me atrai. Escolhi uma profissão que me aproximasse da Natureza – que
pudesse estuda-la e penetrar nos seus segredos, entender suas entranhas (ou
tentar) e dai extrapolar esses conhecimentos ao cotidiano nosso de cada dia.
Sempre me interessei por arqueria
– a arte de jogar flechas (Ars Sagittariorun) – todavia raramente tinha chance
de me aproximar/empunhar um arco. Das poucas vezes, como principiante,
encantavam-me os compostos cheios de parafusos e rodinhas – alta tecnologia
aplicada. Todavia, a despeito do encanto nunca pretendi adquirir um.
Instintivamente atraiam-me os arcos singelos, recurvos,
longbows, mongóis etc – fascina-me a historia do grande Khan, que conquistou o
mundo do lombo de um cavalo e por cauda de uns arquinhos de chifre – mas que
magica envolve tais arcos? Sem estes arcos jamais aquele Khan teria logrado
êxito.
Há poucos anos, pela mão do meu
amigo Jorge Wiendel, adentrei o mundo da arqueria primitiva e seus segredos.
Comprei os livros Bible of Bowyers I e II – e passei mais de uma ano
estudando-os. Eu os li algumas vezes e ainda os leio sempre para fortalecer
pontos teóricos.
É uma obra rara – esta
absolutamente tudo ali dentro. Descobri que há mais de 15 000 anos, já se
usavam técnicas, cujos resultados até hoje são aplicáveis e uteis – muitas
delas são tão clássicas que são insubstituives.
A teoria aplicada e envolvido na
facção de um arco primitivo, o detalhe de cada detalhe, a sutileza da
observação continuada, acumulo de conhecimentos sutis sobre materiais e
técnicas, sobre madeiras e seus usos, materiais
auxiliares, colas tão antigas quanto uteis e insuperáveis na qualidade e
resistência, adaptação e desenvolvimento de ferramentas rudimentares (a inicio)
que evoluíram para algo muito especializado – mesmo com as atuais ferramentas e
materiais, recurso infinitos, uso intensivo de sintéticos de alta resistencia
etc – ainda nossos Ancestrais não foram superados.
Jogar flechas de arcos cheios de
rodinhas e engenharia é um mero ato de arremessar um projetil com precisão – e
como são precisos.
Fazer o mesmo, com arcos feitos
nas mais ancestrais e antigas técnicas, obtendo os mesmo resultados – é uma
arte: por isso adotei o nome Ars Sagittariorun:a Arte de fazer as flechas
voarem .
Percebi que são dois mundos
interdigitados totalmente distintos, a despeito de interdependentes. Os Arcos e
as Flechas – dois Universos de artes que se transfiguram em algo sutil e
sublime quando juntas – foram feitas para serem usadas juntas – tais como os
alimentos e as panelas, na Arte Culinária. Como atirador, já estudei muito
sobre projeteis, pólvoras, pressões, distancias, velocidades, capacidade de
destruição etc etc...
De forma bastante diferente – a
Arqueria é a mesma coisa, tão profunda quanto e tão detalhista quanto – tão
mortal quanto!
Confeccionei meu primeiro arco,
de uma sobra de madeira que trouxera de Capelinha (MG) – presente do amigo Nonô
Pavie – ali conhecida como pereira. Eu ainda o tenho – todo torto, devido aos
detalhes da madeira, que desconhecia e da inexperiência do artesão.
A primeira intenção – além do
experimento - também estava (e esta) no fato de ser muito simples a qualquer
pessoa com um pouco de habilidades manuais, fabricar um arco, algumas flechas –
a um preço muiiiito acessível, usando ferramentas da cozinha de qualquer casa –
e poder se divertir, caçar e também se defender.
De acordo com o Jorge Wiendel – o
JW – se alguém aponta-nos um revolver, ficamos imaginando/ esperando a oportunidade
de reação. Se alguém abre um arco em
nossa direção, o arrepio é geral – pois certamente é um especialista.
Mas enfim – minha incursão pelo
mundo dos arcos deve-se a minha teimosia e mania de conhecimento útil a
sobrevivência. Num caso de catástrofe (muito factível por sinal) como poderia
um vivente sobreviver? Que recursos disporia e que conhecimentos deveria ter? Nesta linha, comecei minha pesquisa tentando
provar aos amigos mais novos que é perfeitamente possível usando somente uma
faca de caça, qualquer pessoa confeccionar um arco, algumas flechas e
armadilhas – e assim sobreviver.
Mas – fabricar arcos primitivos
(e outros) é uma coisa que não se deve começar – torna-se impossível parar dado
o apaixonante universo que se descortina.
Eu confeccionei mais de 100
arcos, sofri mais de 100 frustrações e caras de bunda – alguns sobreviveram – o
conhecimento se solidificou. Sem a paciência do JW, do Willian Maia Hunter, do
prezado Claudio Moron (Argentina), do Carancho (Uruguai), de Don Paco (Espanha)
e diversos outros amigos (virtuais e factuais) com quem troco
idéias/experiências nos fóruns
especializados, jamais teria logrado êxito. A criatividade destas pessoas transcende
o inimaginável.
Não sou arqueiro, a despeito de
jogar flechas razoavelmente – sou aprendiz de ‘bowyer’ – ‘fazedor de arcos’.
Irei em seguida anexando meus
trabalhos e experimentos, assim como as frustrações – talvez possa ser útil a
alguém que esteja iniciando ou já mestre na arte.